terça-feira, 21 de outubro de 2008

Poilissemia

Olhava pela janela, e não se surpreenderia se visse mais gotas de chuva. No dia anterior, o vidro fora açoitado por elas. Mas agora só não brilhava em luz e calor pois era noite. Noite de um céu limpo, estrelado, que simplesmente não fazia sentido frente àquilo que estava dentro dela.

A paisagem passava, mas não era vista. Estava escuro, tudo chacoalhava. As árvores, as pessoas, as folhas, os cabelos, os galhos, os olhos. Era impossível focar no mundo lá fora, estava rápido demais e o que estava dentro, naqueles segundos, lhe chamava mais a atenção. De tal forma que, sem mudar sua cabeça de posição, passou a olhar para dentro. Pela janela, pelo reflexo. Risadas batiam naquela superfície transparente e voltavam para seus ouvidos.

Mais cedo, estivera sentado ao seu lado. Seu rosto era a única coisa observada por aqueles olhos. Olhos tais que era impossível olhar. Penetrantes, profundos. Ainda não sabia o que se passava por detrás deles. Um certo receio, talvez, de olhar e de ser olhado. Lá, lá ao seu lado, com as costas viradas para os outros e olhando profundamente para ela, disse uma das frases mais poderosas que se pode dizer. Aumentando sua tempestade.

E isso, somado ao gigantesco número de tapas e socos que havia recebido, machucando-lhe o rosto, os joelhos e o coração, fazia dela uma figura que abraçava suas pernas, tentando diminuir-se e fechar-se cada vez mais. Fazia dela uma criança com medo do escuro, com medo do abismo. Perdida, querendo falar e fazer o proibido.

Entendia-se. Pela primeira vez.

Mas não podia.

Seu corpo doía, seus olhos ardiam, mas as lágrimas se recusavam a sair. Mentira. Forçava suas lágrimas para dentro, transformando-as num gosto amargo que lhe descia pela garganta.

Olhou para aquela figura que era refletida pelo vidro. Fingia que dormia. Respiração rápida, quase era possível ouvir os batimentos de seu coração acelerado, nervoso. E calmo. Aquela figura contraditória, amável, inteligente, calculista, fria, sensível, impulsiva, idiota, odiosa… Respirou profundamente, tentando colocar para fora o aperto no peito.

E olhou para os olhos que imaginou estarem fechados. Mas não. Semicerrados, observavam outra figura, de pé, sorridente, bonita. Conversava como se não existissem tardes nubladas. Gargalhadas. Um sorriso debaixo dos olhos que observava tal figura. Discreto, pois fingia que dormia, mas ainda assim um sorriso.

E foi assim que a primeira simplesmente preferiu desviar o olhar e tentar distinguir árvore do breu, sangrando e perdida. Sabendo exatamente o que queria.

Mal sabia que os olhos semicerrados já estavam abertos e observando a menina que olhava para a janela.

Um comentário:

Unknown disse...

2 ou 3 personagens?

Rê, adorei o seu conto!