quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Mãos fechadas

"É importante?"
"Não...", suspirou.


Estava andando na rua. Queria se convencer de que andava sem motivo algum, queria acreditar que não esperava nada. Era uma caminhada despretenciosa, ia aonde seus pés a levavam, sem perceber tampouco se importar.

Não. De que adianta mentir para si mesma? Sabia exatamente onde estava indo e por qual motivo. E sabia, também, que não mediria forças para esconder de qualquer um (e dela, inclusive) que isso tinha sido calculado. Não. Era uma verdadezinha que a cutucava lá no fundo, mas foi abafada por uma pilha de pesados cobertores trançados de angústia. Não poderia se dar ao luxo de deixar transparecer essa verdade. Isso só traria mais angústia.

Parou onde sabia que algo poderia acontecer. Estava dez minutos adiantada e sabia disso. Conseguiria fingir que não era nada? Conseguiria fingir que não ficara esperando aqueles dez longos minutos?

A porta se abriu, e um número considerável de crianças saiu de lá, correndo, dando risadas. Essas risadas racham os ouvidos. Não se faz isso com quem está angustiado. Todavia, ela poderia não estar lá. Ela poderia simplesmente sair, mas parecia que aquele aperto quase insuportável que transbordava-lhe as lágrimas era bom.

Viu quem queria ver, e continuou andando, vagarosa, esperando que algo (ou alguém, mais especificamente) a chamasse. Ouviu seu nome. Virou. Acenou, deu um leve sorriso. Fechou sua mão ainda no ar, com força. E continuou andando, ainda mais devagar, com vontade de ficar. Ou de correr. Virou-se novamente. Alguém veio até ela, era alguém que machucava. Era alguém que nunca tinha machucado antes, e a ferida, além de exposta, custava a cicatrizar.

"Ei, você", ouviu. Então era isso? Um se evitar sem se evitar, um afastamento próximo, uma proximidade superficial. Os risos surdos, os ouvidos cegos e os olhos mudos. A intensidade abalada.

"É difícil olhar". Não conhecia outro jeito de olhá-lo, nunca fora diferente. E nunca será. Era simplesmente impossível e inimaginável olhá-lo de outra maneira, jamais se acostumaria. Teria de evitar o olhar para não olhá-lo daquele modo. E tudo que ela queria era continuar olhando, sem medo de estar errada.

E sem o medo de não ser correspondida.

"Tem que ir, já?", já sabendo a resposta. Claro que sim. Mesmo se não tivesse, a resposta seria sim. Não havia mais motivo para dizer um não. Não havia mais a que se apegar, a que amar, a que se sacrificar. Porque tudo isso era incrivelmente mais dolorido. Por que tudo isso era incrivelmente mais dolorido?

"Sim". Era óbvio. Mas queria lhe falar. Queria ir, fazer tudo o que se passava na cabeça, falar sem medo, fazer sem hesitação, queria consertar tudo, ou apagar tudo pra começar de novo. Agora pensando, era ali que tudo tinha começado. Foi uma conversa. Um passeio, algo em que acreditavam.

"Por quê?". Ah, como falar? Como explicar? Como fazer entender todo aquele turbilhão de pensamentos que a deixava tonta sua cabeça latejava, sua mão tremia, seu estômago esquecia-se de roncar. Era assim que andava há dias.

"É importante?". Lógico que era. Lógico. Mas não adiantaria falar. Seria o pior, seria o mais dolorido para os dois. Ela sabia que não ficariam, iria cada um para um canto. Respondendo sim, só faria isso corroer mais ainda seus pulmões. Só os deixariam ofegantes. Só os fariam olhar para trás em momentos diferentes. Só os fariam acreditar que estavam errados, e só os fariam saber que não consertariam.

"Não...", suspirou. Mas os dois sabiam que era um sim. Não mudou nada. Não interiormente.

Despediram-se secamente. Foi um abraço frio. Combinava com o tempo. Sem a confiança de antes. Não era um abraço. Estavam simplesmente colocando seus braços nas costas do outros. Faltava o sentimento.

Das costas, as mãos escorregaram até as mãos dele. Apertou. E virou para ir. Ele a olhou durante um segundo, e virou-se também. Nada mudou. Separaram-se sabendo que era o errado, sabendo que era dolorido. Olharam para trás em tempos diferentes.

Ela sabia que o outro modo seria mais dolorido. Uma lágrima ácida ardeu em sua face. Já estava cansada. E não havia sono que a curasse disso. Respirou fundo.

Andou em dúvida se o caminho mais dolorido era realmente o pior.

2 comentários:

Utak disse...

Esconder uma verdade pontiaguda dói mais que uma verdade fincada.

Anônimo disse...

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